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Argônio

ficção ou realidade

Entre as nossas possíveis opções de substituição de diluente (eg.: gás inerte) durante a descompressão, devido a fatores fisiológicos figurariam como possíveis candidatos, além dos hoje adotados nitrogênio e hélio, o neonio e argônio.
Razões financeiras descartaram o neonio (R$ 230,00 / m3) e deixam como último recurso o maios barato, pesado e grande isolante térmico argônio (R$ 11,00 / m3 ).
Pesquisando por ai, descobri que o último cara que mergulhou com misturas Argox foi Sheck Exley (que morreu mas não em função do argônio) além de alguns poucos experimentos em mergulho comercial.
Num ambiente de saturação a utilização de mais de um gás inerte torna-se complicada, a separação envolveria um hardware muito maior e os benefícios em redução de descompressão comparados aos custos e aos riscos operacionais não seriam muito grandes.
Para quem não conhece, num ambiente saturado a mistura principal ó Heliox, algum nitrogênio é adicionado a mistura, para evitar HPNS (High Pressure Nervous Sindrom ou SNAP Sindrome Nervosa de Alta Pressão em portugues, que é um conjunto de sintomas iniciando em tremores nas mãos e evoluindo a descontrole motor, inicialmente atribuido a PPHe (Pressão parcial do Hélio) posteriormente descobriu-se que na verdade a HPNS está mais relacionada aos gradientes de He, assim, velocidades de descida menores a altas profundidades (abaixo de 150 metros) são uma forma de contornar a HPNS).
Descartado no mergulho comercial, o último ambiente de emprego do argonio é mesmo o mergulho técnico.
Mas porque utilizar argonio ?
A grande vantagem do argonio e diametralmente inversa a vantagem da utilização do Hélio.
Argonio é bem solúvel mas apresenta uma velocidade de difusão muito inferior a do Nitrogênio e a do Hélio, segundo o conceito de Buhlmann, o potencial de difusão de um gás é inversamente proporcional a raiz quadrada do peso molecular desse gás, assim, comparando inicialmente Hélio e Nitrogênio, observaremos que o hélio é 2,65 vezes mais “rápido” que o Nitrogênio, ou seja, os compartimentos absorvem e eliminam hélio 2,65 vezes mais rápido que nitrogênio, Entre o nitrogênio e o argonio, veremos que o nitrogênio é 1,19 vezes mais “rápido” que o argonio.

Peso Molecular fator de solubilidade

He - 4,003 2,007

N2- 28,16 5,30

Ar- 39,94 6,31

Sem entender o significado ???

Olhe para Buhlmann novamente em seu modelo ZHL-16, os meio-tempos dos compartimentos iniciais são 5,10,20,40 e 65 minutos para ar comprimido, esses mesmos meio-tempos para o hélio seriam aproximadamente 2, 4, 8, 16 e 24 minutos e para o argonio aproximandamente 6, 12, 24, 48 e 78 minutos.
Ainda de acordo com Buhlmann o aumento na tensão do gas intra-compartimento é uma função da pressão ambiente, do tempo de exposição e do meio-tempo do gás considerado.
Assim, elevando-se o meio-tempo do compartimento as velocidades de absorção, ou on-gassing são reduzidas mas, consequentemente, as velocidades de eliminação também são reduzidas

Considerando modelos exponenciais puros que não são bi-fásicos (modelos bi-fásicos são modelos de descompressão que além de tratar a fase gasosa propriamente dita tratam de fase dissolvida, assim, os modelos bi-fásicos preocupam-se primariamente com o total de gás absorvido, independente do estado em que ele se encontra, gasoso ou dissolvido, os modelos bi-fásicos são também chamados de E-L, pois prevem absorção exponencial e eliminação linear do gás), ou também chamados de modelos E-E (Exponencial – Exponencial) a utilização exclusiva de um gás com velocidade de absorção mais baixa não traria benefícios, pois o tempo ganho no on-gassing, matematicamente falando, seria perdido e compensado no off-gassing (eliminação do gás), mas considerando que até o patamar de valor máximo de gradiente de pressão entre o gás intra-compartimento e a pressão ambiente não há necessidade de parada de descompressão os tempos máximos de fundo seriam aumentados consideravelmente.
Um ponto negativo ao emprego de argonio como gas de mistura de fundo é o seu potencial narcótico, o argonio tem o dobro do potencial narcótico do nitrogênio, assim, sua utilização fica restrita a baixas profundidades.
Voltando ao mergulho técnico, tivemos a solução para a narcose na adição de hélio a mistura, mas tentando compreender melhor, mesmo que superficialmente a mecanica da fisiologia envolvida no mergulho, vamos ao fundo com hélio + nitrogenio como gás inerte, considerando ainda Buhlmann, que dizia que é a pressão total do gás inerte, que é a somatória das pressões parciais dos gases no compartimento, quem determina a mínima pressão ambiente tolerada num determinado momento do mergulho, segundo seu modelo, a somatória das pressões parciais dos gases inertes é subtraída do coeficiente “a” e depois multiplicada pelo coeficiente “b” resultando na mínima pressão ambiente tolerada pelo compartimento naquele instante (a versão de Buhlmann do valor “M” no modelo haldaniano).
A mínima pressão ambiente nesse momento é a profundidade de descompressão, fazendo a parada na pressão limite, evita-se a formação de bolhas capazes de gerar doença descompressiva, e estabiliza-se uma situação de máxima velocidade de off-gassing, pré formação de bolha.
Como os valores “a” e “b” são menores para o Hélio, em função da sua velocidade de absorção, durante a subida, ele é o primeiro a deixar os tecidos, assim, os M-values de hélio também são mais baixos que os de nitrogênio, justificando paradas mais fundas, ou deep stops, para a descompressão “hipotética” apenas do hélio.
Durante a parada de descompressão, a pressão do gás inerte intra compartimento vai caindo, e o “teto“ de descompressão vai subindo simultaneamente.
Na realidade, a descompressão “tradicional”, com paradas de 3 em 3 metros, é uma forma de operacionalizar uma velocidade de subida muito baixa.
Mas voltando ao argônio, em função da sua velocidade de difusão muito inferior a do nitrogênio ou do hélio, a substituição dos dois por argônio durante a descompressão cria uma situação onde há movimento de nitrogênio e hélio deixando os compartimentos e de argônio entrando, a isso chamamos de contra-difusão, a vantagem é que novamente em função da baixa velocidade do argônio, mesmo em longas descompressões, não é criada nenhuma obrigação descompressiva.
Isso pode ocorrer até um ponto tal, onde a pressão total do gás inerte no compartimento é inferior a pressão ambiente (do gás inerte), esses são os mecanismos básicos de aceleração de descompressão e valem também para trocas onde o mergulhador vem do fundo utilizando hélio como diluente e em profundidades mais baixas, troca para nitrogênio, o resultado é que você tem hélio saindo rapidamente e nitrogênio entrando numa velocidade inferior a de saída do hélio (ou o hélio saindo 2,65 vezes mais rápido que a entrada do nitrogênio).
A aceleração ocorre toda vez que o mergulhador troca de um gás inerte leve para um pesado, mas a situação inversa é extremamente perigosa, um mergulhador descendo com um travel gás (gás de viagem é utilizado quando a fração de oxigênio na mistura de fundo é muito baixo para ser respirado na superfície, por exemplo, uma mistura trimix 14/60, tem uma PPO2 de 0.14 ATA na superfície, todas misturas abaixo de 1.6 ATA de PPO2 são consideradas hipoxicas) utilizando nitrogênio como diluente em determinado mergulho faz uma parada e troca para uma mistura utilizando hélio como diluente, caso o mergulhador permaneça nessa profundidade, ocorrerá o processo inverso, em um determinado compartimento pode haver uma velocidade de absorção muito alta do hélio, criando uma situação de super saturação, onde a pressão total do gás inerte intra compartimento é muito maior que a pressão ambiente, nessas situações pode ocorrer doença descompressiva mesmo sem mudança na profundidade do mergulhador, a esse fenômeno chamamos contra difusão isobárica, o mesmo pode ocorrer quando um mergulhador utiliza para inflar a roupa seca um gás menos denso do que o gás de respiração, a absorção de gás inerte pela pele também pode gerar situações de super saturação.
No final das contas, o ganho é indiscutível, quantifica-lo, e conseguir determinar quanto tempo efetivamente será ganho no tempo total de descompressão são outros quinhentos e considerações logísticas, como a necessidade de mais um gás, a resistência a respiração e alto potencial narcótico não devem ser desprezadas.
A evolução do mergulho nos últimos anos, principalmente dos modelos descompressivos é uma realidade inquestionável, qualquer um que se lembre, de técnicas e procedimentos utilizados poucos anos atrás, verá que as mudanças foram radicais, a utilização de misturas trimix e nitrox deixou de ser um mistério para se tornar uma realidade ao alcance de todos que se proponham a um pouco de treinamento e algum investimento, novas profundidades foram alcançadas sem os inconvenientes e riscos da narcose, descompressões foram aceleradas aumentando a segurança de times de mergulhadores, mas esse é um processo contínuo, nos forçando a permanecer atentos as novidades, a novas propostas e novas tecnologias, para mergulhar cada vez mais, melhor, mais longe, mais fundo, por mais tempo e principalmente, com mais segurança.

Marcelo “Moorea” Polato
Maio/2001

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