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Campos


Para matar as saudades de quem participou !

Encontramos o Campos

Manhã de 21 de Julho de 2.000, eram 5:00 quando o despertador tocou, pulei da cama lamentando a noite mal dormida, afinal, o sono havia sido um misto de expectativa e planejamento.
Não é coisa boa antes de mergulho muita apreensão, mas ficava difícil evitar, afinal, foram anos de buscas, horas e horas de olho ligado no sonar, muitos riscos e rabiscos, misturados a rotas e derrotas em cartas náuticas, numa tentativa de mapear alguma pista que fosse, algum relevo incomum, e quando estes surgiam, a alegria da tripulação rapidamente se transformava em mergulho de reconhecimento, pedaços de madeira, alguns pequenos parcéis, nada que se assemelhasse a um navio de quase 120 metros de comprimento.
Até que, um pescador, um dia me ligou contando que havia encontrado um relevo incomum, algumas milhas adiante de onde se concentravam as buscas, pelos detalhes descritos, cabos de âncora subindo pretos de ferro, o tipo de contorno no sonar, não restava muita dúvida., era mesmo um navio afundado, ou parte dele.
Preparativos feitos, estávamos nós lá, aguardando o momento do tão esperado mergulho, enquanto o resto da nossa tripulação acordava, eu já ia checando alguns equipamentos, nosso barco, a GIANI, uma carbrasmar 32, havia sido parcialmente carregada na véspera, e o marinheiro devia estar zarpando ao ponto de encontro previamente combinado.
Camionete carregada com o resto do equipamento, rumamos a Ilha das Cabras, ponto de partida habitual das nossas expedições, ao chegarmos lá, Marcos, nosso marinheiro, já nos esperava com o bote em terra, conferimos a pressão dos últimos cilindros que estavam sendo carregados, analisamos as misturas que seriam usadas na descompressão e carregamos o que faltava, numa sucessão que parecia infinita de viagens da camionete para o bote, do bote a lancha, para finalmente, ser dada a partida nos motores.
Iniciava-se a jornada rumo ao nosso tão esperado destino, enquanto perguntas iam passando pelas nossas cabeças, tentávamos repassar todo planejamento de mergulho, o programa inicial era para 26 minutos de fundo, com ar, levaríamos conosco EAN para descompressão, cilindros reserva seriam colocados aos 18 metros com ar comprimido e aos 12 com EAN, um mergulhador do grupo seria responsável pelo apoio de superfície, e três iriam para o fundo, o primeiro seria eu, conduziria um mergulho exploratório, 25 minutos após a minha caída , Miúdo e Buttman cairiam, devendo encontrar comigo iniciando a subida.
As milhas iam passando e a Ilhabela aos poucos ia ficando bem menor, em contrapartida, Alcatrazes, no nosso través de boreste, parecia maior e mais próximo a cada instante.
Todos estavam envolvidos na montagem e conferência de equipamentos, e não tinham muito tempo para reparar nos pinguins, que em grupos de 3 ou 4 passavam ao lado da lancha toda hora, esticando o pescoço curiosos com a nossa presença.
A marca pré programada em nosso DGPS aos poucos ficava mais próxima, 5, 4, 2, finalmente, a menos de uma milha de distância, foram reduzidos os motores e assumi o comando da lancha, sonar ligado, começava a busca no fundo, olhos fixos na tela, o único barulho a bordo eram os motores roncando em baixa rotação, a medida que a marca no GPS se aproximava aumentava a expectativa, o Sonar mostrava um fundo de lodo numa profundidade de 57 metros, nenhum relevo incomum, até que, num instante, uma sombra na tela eleva-se quase 15 metros, motor de boreste cortado, leme todo a boreste, motor de boreste agora a ré, giramos sobre a marca 90 graus, novamente os dois motores a vante, na lenta, seguimos a marca, rumo SSW (sul sudoeste) confirmando o provável alinhamento do navio, ele estava lá sem dúvida, seguimos até perder o eco no sonar por quase 50 metros, invertemos nosso rumo, e voltamos sobre ele por outros 80, 90 metros, o alinhamento provável tinha sido determinado, agora foram cortados os motores, para ser avaliada a corrente, rapidamente o ponto na tela que representa o barco deslocou-se para NW (noroeste), com uma velocidade de mais de 1 nó (medida náutica de velocidade que corresponde a 1,852 km/h), manobramos e com motores, passamos novamente sobre ele, com a proa agora a SE, após uns 60 metros o ferro foi baixado, a pique, para que unhasse as estruturas do navio e não o fundo, após alguns segundos de deriva, sentiu-se o tranco no filame, foram largados mais alguns metros de cabo, para garantir a segurança do fundeio.
Começava a diversão, enquanto os mergulhadores se preparavam para cair, Eu continuava de olhos fixos no GPS, nesse momento no máximo zoom possível, garantia que a lancha estava realmente imóvel e que o fundeio estava seguro, equipado fui ao fundo, vencendo os metros iniciais graças a um cabo preso da popa da lancha até o cabo da âncora, única maneira de enfrentar a correnteza, que só começava a perder força abaixo dos 15 metros, 20, 25, 30, 40, 50, 56, toquei o fundo, de lodo realmente, muita suspensão levantou, confirmei a pressão dos meus cilindros, testei os reguladores de gás de fundo, a âncora estava logo ali, presa a uma estrutura de ferro, que com certeza era parte do navio mas, não era o casco, clipei minha carretilha logo acima da corrente da ancora e segui no rumo mais provável, perpendicular ao alinhamento do navio, a profundidade ia aumentando lentamente, 57, 58 metros, isso indicava que ele estava logo adiante, pois esse rebaixamento do fundo é um fato comum, devido ao movimento de água ao redor de qualquer grande estrutura no fundo, alguns metros a frente, surge uma parede, no limite do alcance da luz da lanterna, podia-se vislumbrar a grande estrutura erguendo-se do fundo verticalmente, estendendo-se por todo alcance horizontal da visão, a grande muralha pensei, provavelmente devido a narcose, aproximei-me e confirmei tratar-se do casco, eu estava “sob” ele, iniciei minha “escalada” do casco, no intuito de alcançar o convés, nesse momento minha lanterna principal diminui a intensidade da luz, até apagar-se totalmente, rapidamente procurei no colete, onde deveria estar a reserva, para minha surpresa ela não estava lá, provavelmente tinha se soltado em algum momento da descida.
Não me restava outra opção a não ser abortar o mergulho, iniciei minha subida no escuro total, a visibilidade que era de 1,5 metros com a lanterna acesa, caia a zero sem ela e ficar de olhos abertos ou fechados era a mesma coisa, a única luz era a do computador aceso e dos relógios carregados.
Aos 30 metros, peguei uma das duas deco-marks que eu trazia presas ao cilindro principal, clipei-a a uma das carretilhas e inflando-a, fiquei a contemplar seu longo caminho até a superfície, era o sinal de fim de mergulho, não havia ninguém vindo ao meu encontro, pois eu estava adiantado no meu planejamento, e a deco-mark, além de me auxiliar a manter a profundidade das paradas com menor esforço, sinalizaria ao pessoal de apoio que eu estava subindo.
Menos de um minuto se passou, e o Adriano (jurídico) estava na água, me encontrando na primeira parada, com uma stage de nitrox clipada ao seu colete, caso houvesse algum problema e eu necessitasse de mais gás, as paradas seguiram-se numa luta contra a correnteza, quase quarenta minutos depois eu estava tirando o regulador da boca e dando uma bela respirada no ar úmido da superfície.
Miudo e Buttman fizeram seu mergulho, que devido a forte correnteza teve o tempo de fundo bem reduzido para acelerar a descompressão mas, serviu para confirmar nossas suspeitas, ele esta inteiro no fundo !
Já todos a bordo, como não havia champagne, a comemoração foi regada a guaraná e Bavaria, seguimos todos, de volta a Ilha das Cabras, alegres pelo sucesso após tantos anos de buscas e com a certeza de que, nos próximos anos, o Campos promete ser o grande mergulho na Ilhabela.
Fizeram parte da equipe no dia Eu (Marcelo Moorea), Mara (namorada e dupla), Buttman (Ricardo), Miudo (Dimas). Jurídico (Adriano), Marcos, nosso marinheiro.
De lá pra cá já foram feitos 6 mergulhos exploratórios, já foi encontrado o casario, que está totalmente coberto por redes, a proa e a parte de vante já foram mapeadas, mas, novos mergulhos estão suspensos temporariamente, aguardando melhores condições de mar e principalmente de corrente, após o último mergulho, onde devido a visibilidade inferior a 1 metro eu acabei ficando preso a redes no fundo e o cabo da ancora se partiu, cortado por partes de ferro do navio, reavaliamos nossos critérios de risco e só voltaremos a mergulhar lá com condições melhores de mar e principalmente de visibilidade no fundo.
Nossos agradecimentos vão, para Netuno, por ter permitido nossos mergulhos lá, ao comandante do U-boat, por ter sido bom na pontaria e ter acertado o torpedo no Campos, e a galera toda que participou, esperando para muito breve, podermos anunciar um novo achado lá na Ilha,


Abraços e bons mergulhos

Marcelo "Moorea" Polato (01/2002)

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