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Carretilhas x naufragios

Em tempos de evolução rápida do mergulho, principalmente do mergulho técnico, assisto o surgimento de novas técnicas e de novas propostas, muitas vezes colocadas como a solução definitiva, com ceticismo e crítica, pois algumas vezes, as soluções adotadas para contornar situações de risco podem, ao contrário, expor o mergulhador a situações sem volta.
O uso de carretilha em exploração e penetração em naufrágios há muito tempo é um assunto polêmico, no Brasil, não me lembro de muitas pessoas explorando navios, além disso, os grandes navios, com condição de exploração e/ou grandes penetrações são poucos e em áreas onde não há operação comercial. Não nego que um sorriso irônico surge no meu rosto todo vez que ouço alguém falar de penetração, principalmente quando pregam técnicas que só conhecem por livros ou por treinamento teórico.
Ao longo dos últimos anos, coordenando os trabalhos do G.P.S. (Grupo de Pesquisas Subaquáticas) realizei uma quantidade bem grande de incursões em grandes navios aqui em São Paulo, Asturias, Campos e Elihu principalmente, além de algumas viagens a outros navios em condição parecida, embora com água mais limpa ou mais rasos, como o Rosalina e a Camacuan, esse trabalho, principalmente a exploração do Campos, que continua em andamento, fez com que técnicas consideradas absolutas fossem revistas, que novos procedimentos fossem adotados e que equipamentos fossem modificados buscando essencialmente mais segurança e conforto para o mergulhador.
Vale ressaltar que quando se fala em penetração abre-se um horizonte tão amplo quanto os oceanos, fatores que vão desde as condições e morfologia de fundo até a presença de grandes peixes a trafégo de embarcações alteram e ditam os padrões e procedimentos a serem adotados.
Resumir essa técnica é o mesmo que tentar digitalizar um raciocínio essencialmente analógico, somente experiência, treinamento, equipamento e decisão objetiva e positiva podem dizer o mais e o menos provável, já que não haverá mais certo e errado.
Isso faz com que eu assista surpreso, para não dizer chocado a colocações relativas a penetração por individuos que nunca penetraram um grande navio, ou que, quando o fizeram, as condições eram tais que isolavam complicadores.
Comparar a visibilidade média em Recife e em São Paulo por exemplo é uma heresia, assim, uma penetração na corveta, com 40 metros de visibilidade, apresenta uma possibilidade de complicação muito inferior a popa do Asturias com meio metro de visibilidade.
Mas vamos ao ponto, e me perdoem os defensores do cabeamento em naufrágios mas em partes eu vou discordar de vocês.
A carretilha surgiu com opção de orientação, assim como existem pessoas que estacionam o carro no shopping e precisam de ajuda da segurança para encontra-lo, algumas pessoas menos treinadas e distraidas se perdiam nos naufrágios, diferente dos estacionamentos, no segundo caso as consequencias normalmente culminavam em fatalidade.
Técnicas de orientação passam por visualização, memorização, entendimento e compreensão das estruturas, penetrar num navio sem entende-lo é uma atitude suicida, então o verdadeiro mergulhador de naufrágio, além da técnicas de mergulho deve buscar e desenvolver conhecimentos de construção naval e de mecânica.
E claro que você não precisa fazer uma faculdade de engenharia naval para mergulhar em naufrágios, mas saber a diferença entre uma caldeira e uma ancora, entre um escovem e uma escotilha, entre um motor a vapor e um motor diesel podem significar muito em caso de desorientação e podem também auxiliar muito na memorização do naufrágio.
Embora a maior parte do “silt”, a sujeira, que reduz a visibilidade, muitas vezes a zero, seja criada pelo próprio mergulhador, uma parte dela, causada por bolhas é inevitável.
Assim devemos nos policiar e desenvolver técnicas mais efetivas de propulsão e de deslocamento objetivando primariamente utilização em penetrações, isso já ajuda a reduzir a sujeira total a uma fração.
Condicionamento e preparo, mergulhar imaginando a possibilidade de visibilidade zero deve ser uma atitude constante de exploradores e penetradores de naufrágio, se no final do mergulho, você não se deparar com o escuro total, ótimo, mas, se você tiver que encontra-lo estará preparado e não haverá stress.
O stress normalmente é a primeira causa de acidentes fatais no interior de naufrágios, um mergulhador preso e desorientado irá se mover desordenadamente, movimentar muito mais sedimento, transformando o que já era ruim em algo pior, então, o condicionamento psicológico é um ponto fundamental, normalmente, algumas inspirações mais profundas, alguns minutos de repouso, mantendo contato com a estrutura e principalmente calma farão a água melhorar um pouco.
Depositar sua confiança e sua vida em alguns metros de cabo, no meu humilde ponto de vista, também é uma atitude suicida, os navios, ao contrário das cavernas, tem uma desagradável mania de reagir ao contato de duas formas : cortando e perfurando.
Pontas de chapa, cracas, estruturas em deterioração, peças soltas, por todo lado você encontrará onde furar uma célula, uma roupa seca, onde cortar um mangueira ou o cabo da carretilha.

Ai vem a questão : O mergulhador clipa a carretilha do lado de fora, penetra no navio, no momento de retorno o cabo aparece cortado em determinado lugar, a visibilidade é baixa e você começa uma busca, ou com uma nova carretilha ou por tato, tentando localizar o outro pedaço do cabo.....problema ???

O cabo não deve substituir a orientação, somente a utilização das duas técnicas em conjunto apresenta os melhores resultados.
Além disso, movimentos de água podem levar o pedaço cortado do cabo para pontos onde você nunca mais irá encontra-lo, frestas e fendas podem “trapear” o cabo, a própria tensão necessária pode força-lo a procurar espaços alternativos através de pequenas frestas do navio, no momento de retorno qual a solução ???

Alguns mergulhadores pregam a penetração sem carretilha, utilizando referências visuais, além de ser muito mais rápida que uma penetração com carretilha, o mergulhador tem uma tarefa a menos, o esforço e o foco que eram necessários a manutenção de tensão do cabo, a atenção ao desenrolar a carretilha e ao fixar o cabo em determinados pontos podem ser voltadas a observação de estruturas e a memorização.

Vale lembrar que em ambiente técnico o relógio anda rápido, o tempo gasto safando cabos, resolvendo cabeleiras na carretilha, ou indo e voltando pelo mesmo caminho muitas vezes pode exceder o planejamento e os limites do mergulho.
Quando começaram a falar de penetração progressiva, em zona de conforto, muitos acreditavam tratar-se de mais balela, de outro dive-fashion a ser importado, mas a técnica revela-se eficiente, embora apresente também pontos negativos, ele remete o mergulhador a necessidade de entendimento da estrutura, causa task-load menor por não ser necessária atenção a carretilha, racionaliza o tempo pois não há preocupação em soltar e recolher o cabo, cria multiplas opções de saída, sem necessidade de retorno pelo caminho original, diminui uma possibilidade de enrosco pois não há o cabo da carretilha na água, mas a contrapartida é a desorientação em visibilidade zero.
A questão permanece e deve permanecer ainda por muito tempo, principalmente para aqueles que necessitam de modelos e que não se contentam se não seguirem algo.
Somente a experiência mostra qual ou quais as técnicas e equipamentos mais adequados a cada situação, tentar criar regras absolutas não é apenas infame porque também é ridículo.

O principio essencial da evolução, não só do mergulho ou do mergulhador, mas de toda a raça humana é o questionamento, aquele que aceita a utilização da técnica ou do equipamento sem o seu entendimento está fadado a ser sentenciado por ele.

Não faço apologia a penetração progressiva nem recomendo a não utilização de carretilha, o que tento mostrar é que é necessário mais que o equipamento e uma regra genérica, que é necessário observar sob vários angulos, ponderar aspectos positivo e negativos antes da adoção e de prática de qualquer técnica.

Só assim continuaremos mergulhando mais, mais fundo, por mais tempo, mais longe, melhor e principalmente., com mais segurança.


Marcelo "Moorea" Polato

02/2004

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