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Ecos na escuridão


A física nos ensinou que a propagação do som na água ocorre com velocidade muito maior do que no ar, basicamente em função da densidade e que esse mesmo som, também demora muito mais para desaparecer na água em função da menor quantidade de obstáculos que possam refleti-lo ou refrata-lo mas, volta e maia, quando leio meus e-mails, quando converso com novos mergulhadores, quando assisto novos instrutores formando mergulhadores ou participo de forums ou discussões, sou forçado a acreditar que alguns sons não se perdem, definitivamente, mesmo no ar.
Assuntos como ecologia, vista por prismas absolutamente distorcidos, preservação, declamada por aqueles que pouco, ou nada sabem do mar, causas e consequencias a brados repetidos de ONGs com finalidade exclusivamente financeira e o mais delicioso de todos, naufrágios, por pessoas que só os conhecem por livros, fotos, ou de ouvir outras pessoas falarem deles.
Quando vejo uma pessoa aperter o “send” do programa de e-mail, tentando crucificar uma outra, que posava, com um belo badejo quadrado, alvo de tentativa de captura bem sucedida em caça submarina, alegando essa primeira que o Mero, pasmem ! Mero !

Está protegido por legislação e tem sua captura proibida por lei fico imaginando a responsabilidade ou pior, a irresponsabilidade, pois atrás desse legitimo representante da fauna brasileira, que provavelmente deve ter como item principal da sua dieta algas marinhas, afinal é o mais próximo de capim que existe no mar, atrás desse virão outros, que gostam de dar o seu pitaco, que provavelmente nunca viram um Mero, ou um Badejo quadrado e que mandam e-mail para listas de discussão querendo saber a diferença entre Badejos e Garoupas, no meio disso tudo aparece até foto de Carpa !!!!!
Esse bando de net-divers que nas minhas andanças pelo mar eu pouco vejo, se acredita responsável pela preservação, embora não saiba direito o que, ou como preservar e confunde preservação com um e-mail irresponsável, essa “trupe circense” se acha no direito de julgar, embora o conhecimento de causa seja nulo, atos, pessoas, atitudes e situações, criando um volume de informações desencontradas, sem propósito e na maioria das vezes tão equivocada, que seriam engraçadas se não fossem trágicamente inúteis.
Quando vejo ainda, exemplares de um outro tipo de mergulhador, daqueles que gostam de mergulhar de praia ou em barcos de mergulho lotados, não porque não tem apego ao seu equipamento e não ligam para a areia, ou porque tenham a fantasia oculta sentir-se num navio negreiro, mas porque necessitam de público, necessitam de platéia e expectadores, como todos sabem, o público exige o circo e sem palhaço, não há bom circo, criam-se então modismos, propostas absolutamente infundadas que servem de lona para o protagonista da estória, nosso palhaço, que mostra malabarismos que vão desde mangueiras e partes de configuração de mergulho técnico, até gira-giras, que ao contrário daqueles que todos nós conhecemos no parquinho, ou jardim da infância e que serviam para diversão da criançada, estes novos, menores e sob a alegação de mais conforto, representam não só finalidade nenhuma, mas pontos de risco extras numa configuração de mergulho recreacional.
Os modismos são copiados por aqueles que querem uma diferenciação, e ao invés de procurá-la em treinamento e em qualidade de mergulho, caminhos normalmente mais longos e penosos,. acabam encontrando-a no “dive-fashion”, gadgets pendurados, coisas sem utilidade balançando e o mergulhador se sente um Cousteau das profundezas, principalmente se, num barco de mergulho, onde a maioria se sente amedrontada até de perguntar (em vão) a utilidade daqueles penduricalhos todos, ele se diferencia, de forma irônica, mas se diferencia.
Ainda sem sair do dive fashion, recentemente, estávamos em um treinamento de águas abertas de um curso de formação de instrutores, como havia todo tipo de mergulhador no time de candidatos, de mergulhadores comerciais a dive-masters, passando por pessoas com formação em mergulho técnico, sucessivas vezes lembrei a todos, que, quando com alunos de mergulho recreacional, o instrutor deve adotar uma configuração de mergulho recreacional.
No meio dos exercícios, notei que um dos candidatos, tinha o seu octopuss preso do lado de dentro do colete, por um mosquetão ou coisa do gênero que mais lembrava tranca de cofre de banco do que dispositivo de liberação rápida, como segurança para nós é item fundamental, simulei uma falha de gás, me aproximei como um louco, já sem meu regulador na boca e tentei, em vão, agarrar o seu octopuss, a areia subiu e as bolhas transformaram um pedaço do fundo em algo que mais lembrava um ringue de luta livre, como não conseguia remove-lo, seguindo as reações normais de um mergulhador nessa situação, fui ao seu regulador principal e arranquei-o com um puxão forte, sem controle da situação, o candidato, o removeu novamente da minha boca, dessa vez levando junto minha máscara, que virou um monte de partes soltas, no fundo, acreditando ainda numa possibilidade de reação, tomei a atitude que seria comum a qualquer mergulhador numa situação dessas, acreditando que o candidato a instrutor, fosse impedir-me de realizar uma subida de emergência, desapontado, vi-me, em poucos segundos, só na superfície, demorando mais alguns minutos até que o trainer que me acompanhava montasse minha máscara e a trouxesse até mim.
São lições, que nós, algumas vezes chamados de “tios” do mergulho, já vimos várias vezes, que tentamos, muitas vezes inutilmente, fazer entrar nas cabecinhas mais duras, que as tres únicas maneiras de aprender a mergulhar são :

Mergulhando, mergulhando e mergulhando !

Que não existe substituto para o treinamento, que na internet você pode aprender muito, mas aprender a mergulhar mesmo, só na água.
Ai surgem os naufragueiros, alguns, candidatos a capitão gancho, como um que vi esses dias na praia, ao se apresentar e contar um curriculo que mais lembrava o livro do Pantaleão, de tantas mentiras que tinha, fechou com chave de ouro, perguntando se eu conhecia o naufrágio Aymoré e após minha resposta afirmativa matou a pau :

_E você sabe se lá tem escotilhas para retirar ???

Disse a ele que sim, que tinham várias delas soltas na areia, inclusive o sino do navio ainda estava lá, fui embora rindo da ingenuidade e me sentindo um pouco o Muttley, o cachorro do Dick Vigarista que vivia sacaneando os outros.
O segundo tipo, mais pseudo (ou net) politicamente correto é aquele que critica, que prega a preservação dos naufrágios para que sejam vistos daqui a 100 anos como estão hoje, como se navios não desabassem, como se o aço não desaparecesse, como se a porcelana não se quebrasse.
Esse segundo tipo normalmente cerra fileiras com o turma do badejo e do mero, gostam de uma boa discussão embora também não saibam muito sobre elas.....

Lembrando nossos navios, antes que os net-preservadores surgissem, Aymoré, foi totalmente saqueado e suas peças se perderam (exceto por dois ou tres colecionadores particulares que restauraram peças e as mantém preservadas), depois disso foi dinamitado pela marinha e virou uma pilha de ferro velho.
O Velasquez, também dinamitado pela marinha, as pás do hélice viraram enfeite em porta de hotel e a maior parte do bronze retirado do navio (inclusive uma da pás) virou enfeitinho de parede, cinzeiro, escotilha miniatura com espelho no meio, tipo presente para indio.....

O Dart, material ingles, coisa fina, novamente a exceção de algumas coleções particulares, infelizmente não acessiveis ao público nada sobrou, veio a marinha e..... BUMMMM, pedaços pelos ares, peças removidas, ferro revirado, air lift onde haviam porcelanas e o que restou foi uma pilha de cacos de garrafas de cerveja......

Crest, Concar e outros mais seguiram o mesmo caminho, o que eu vejo e já vi, desses grandes navios, que foram na sua maioria explorados quando eu ainda não sonhava mergulhar, foram peças de coleções privadas, normalmente bem preservadas e mantidas longe dos olhares de curiosos para evitar manifestações mais inflamadas.
Asturias, vítima (risos) de grandes explorações, verdadeiras operações de guerra foram montadas para desmantelar o Príncipe, quem conhece a história sabe bem porque, subiu a maior parte da prataria do servico de bordo, porcelanas finas, talheres, peças de cristal, embora a grande atração não fosse nada disso.
De todas as escotilhas e peças retiradas, novamente, o que restou para ser visto foram as de coleções particulares, algumas peças no museu de história no Rio, mas, muita coisa virou enfeita de parede em casa de bacana, muita coisa foi vendida como souvenir para gente que não sabe nem o que foi o Asturias....
Hoje os navios continuam lá no fundo, esperando, como virgens, quem os deflore, pregar a preservação é, sob alguns aspectos, pregar o não resgate de nosso patrimônio, pregar o não resgate de nossa história, pregar o não resgate da luta do homem contra os elementos, da guerra, das falhas humanas, mas, o resgate também apresenta pontos controversos, a destinação das peças é um deles. Pregar a manutenção dos navios “intactos” (propositalmente entre aspas) é desconhecer, principalmente nos grandes navio de aço, que não são de interesse arqueológico, os princípios de corrosão galvanica, de oxidação e de redução, desconhecer que uma grande parte de nossa história será enterrada, por aço, por lodo.
Desconhecer que detalhes que podiam contar ou contrariar estórias podem estar se perdendo nesse exato momento e que navios que estavam intactos 50 anos atrás, hoje estão desmoronando e desaparecendo com eles um pedaço da história humana fica perdido para sempre no fundo do mar.
O ponto de equilíbrio é tênue, técnicas adequadas deveriam e devem ser utilizadas, a preservação deve ser o foco principal, sempre, mas por uma lógica bem básica e elementar, por ponderação, por proporcionalidade e principalmente por justiça, que direito tem sobre os navios, aqueles que nada fizeram por eles ?
Que direito tem, quem não foi até lá ? quem não procurou ? quem não devotou uma parte da vida a pesquisa-los, encontra-los e visita-los ?

O circo continua aberto, as suas atrações continuam numa sucessão sem fim, e, sons que ouvimos dias atrás, ouvimos novamente hoje e ouviremos amanhã, como ecos, ignorantes, na escuridão.


Marcelo “Moorea” Polato


Ps.: Se você se identificou com algum dos tipos acima, não se desespere, o mundo ainda não está totalmente perdido para você, olhe para o seu colete e veja se tem coisa penduradas com mosquetão nele, se tiver, retire e jogue tudo no lixo, da próxima vez que for mergulhar, entre de costeira, equipe-se sem que ninguém veja (exceto seu dupla, claro) e mergulhe curtindo o fundo, o silêncio, os peixes ou o que quiser.
Se você é daqueles que não sente prazer em mergulhar para você, se é daqueles que mergulha para ser visto, também não há problema, dê uma olhada no dive-shop mais próximo pois pode haver algo para pendurar no colete, que tenha sido lançado recentemente e que você ainda não tem, a indústria do bagulho sub depende essencialmente de você para sobreviver, mergulhadores como você garantem o trabalho de milhares de chineses escravos em porões de navio.
O verão vem chegando e os barcos de mergulho e as praias vão lotar, prepare seus equipamentos, não esqueça a mangueira longa, os giradores, a lanterna presa na tira da máscara, a mola subastituindo a cinta da nadadeira, protetores de mangueira para mergulho em águas abertas também são um charme a parte, mas o ideal e que sejam de cores bem vibrantes, amarelo, laranja ou vermelho, carretilhas também são uma opção, afinal aquele seu instrutor sempre carregou uma (embora nunca tenha utilizado) presa no colete e é mais uma chance de ficar parecido com ele o todo mundo te olhar, no barco ou na praia. ...

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