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O EDITORIAL E A RESPONSABILIDADE


Acabava de ler um e-mail do Bernie (Last Dive), feliz pelo seu restabelecimento depois da última cirurgia no ouvido e pensando no que ele tinha escrito, sobre responsabilidade, principalmente a dele, como autor, de lançar algo melhor do que o “Ultimo mergulho”.
Árdua luta, pensava eu com meus botões, pois para alguém que produz algo tão grandioso, e que consegue retratar com tamanha fidelidade um ambiente que as vezes nos é tão comum como a sala da nossa casa, no mínimo é dever produzir algo do mesmo quilate, para merecer, na pior hipótese, o rótulo de “continuísta”.
Sai navegando e lendo e-mails, simultaneamente claro, maravilhas permitidas por conexões ADSL, acabar de falar com um amigo no outro hemisfério e ler um e-mail sobre divulgação de treinamento de mergulho quase simultaneamente, isso é velocidade de comunicação e me maravilha por mais que eu me acostume com ela.
O e-mail me convidava a divulgar o calendário de cursos num site, como o gato morre mas não perde a curiosidade, fui até lá dar uma olhada.
O editorial me chamou a atenção, as palavras holofote, responsabilidade e acidente num mesmo texto me obrigaram a deixar de lado a habitual “passadela” de olhos para me ater ao entendimento do texto.
Surpreendeu-me confesso, a profundidade do texto que de forma direta me convidava a coisas tão simples, mas simultaneamente tão complexas como “aprender com os próprios erros”, “fazer do mar algo mais seguro”, “deixar de lado siglas e certificações” e “ respeitar as leis naturais”, confesso que me senti desapontado quando o autor revelou que Clark Kent não existe, jogando por terra o meu herói infantil, mas no turbilhão de idéias que se formava a medida que as informações fluiam no meu cérebro, provavelmente já um tanto desgastado e prejudicado por sucessivas exposições ao nitrogênio, eu misturava o e-mail do Bernie ao editorial e começava a imaginar as nossas responsabilidades, para não dizer obrigações em relação ao mergulho.
Devíamos, no mínimo, mergulhar melhor a cada novo mergulho e mergulhar melhor não quer dizer apenas ir mais fundo, ou por mais tempo, ou ver mais peixes ou um navio maior, mas mergulhar conhecendo mais o mergulho, o nosso corpo, a fisica e a fisiologia envolvidas nessas complexas relações organismo x pressão x gás e principalmente mergulharmos com mais segurança.
Como instrutor de mergulho, coisa que no passado odiei, pois a simples menção da palavra “instrutor” me deixava arrepiado, até que um dia, por Lucio cujo nome dispensa apresentações e por quem sempre nutri além de admiração e respeito, que hoje se transformaram numa grande amizade, a mais alta consideração quando o assunto é mergulho, bem, por convite dele fui conhecer a NAUI, sua proposta de ensino, materiais de treinamento, educação continuada e liberdade acadêmica, mas o que mais me chamou a atenção, num material da NAUI Tec, foi uma frase que dizia “o risco a um membro de um time é considerado risco ao time todo”, quem aprendeu a sobreviver sabe que a regra número 1 da selva é “proteja o seu rabo” a regra número 2 diz “se o seu rabo, e apenas se o seu rabo estiver bem coberto, proteja o rabo do seu dupla”, no mergulho, a aplicação não valia e eu comecei a ver, a instrução de mergulho sob um prisma diferente.
Anos se foram alguns alunos passaram mas a consciência da responsabilidade cresce a cada dia, quando soube que um ex-aluno havia sofrido um acidente, no qual infelizmente uma vida se perder, parei e me questionei sobre o minha real responsabilidade nessa arena, onde além dos palhaços, também existem tigres e leões.
Minhas conclusões, talvez ainda não totalmente amadurecidas, são que por mais que nos esforcemos, tentando transmitir idéias e conceitos, de mergulho em duplas de verdade, de segurança, de adoção de práticas conservativas, etc etc. haverá sempre pessoas dispostas a arriscar isso tudo em troca de vantagens muito pequenas.
Uma vida se perder por “aproveitamento” de recarga de cilindro é algo totalmente injustificado, principalmente quando a lente está no olhos de alguém que já perdeu um amigo no mar e sabe a dor dessa perda.
Um acidente ocorrer por falha de planejamento, em algo tão simples quanto “exercício após o mergulho” nos soa como velhas avós dizendo para não sairmos no vento sem casaco.
Mas, carregar as duplas depois do mergulho é essencial, embora não figure na maior parte dos planejamentos de mergulho técnico, atentos a coisas muito mais complicadas e modernas do dive-fashion, como algoritmos bi-fásicos e softwares de planejamento, coisas simples como carregar de descarregar o carro são deixadas de lado.
Bad news, descarregar o carro no problem, mas carrega-lo depois de um mergulho descompressivo pode com certeza te levar a uma visita a câmara, um dia de tratamento (com sorte) e um belo susto.
Nossas avós provavelmente não sabiam as diferenças entre DD tipo 1 e tipo 2,mas na sua sabedoria nos diziam, não se exponham a riscodesnecessariamente.
Na virada do ano, alguns de nós, num pequeno grupo imaginavam um triste cenário para o ano que começava, infelizmente esse cenário se materializa diante de nossos olhos sem que nada possamos fazer.
Voltando ao Bernie e a sua responsabilidade e ao editorial de alguém que eu nem conheço (ainda), pensei na minha responsabilidade e na responsabilidade individual que sempre é abandonada por prêmios muito pequenos, um metro a mais numa exploração, 10 minutos a mais de fundo, um mergulho numa condição para a qual o mergulhador não é treinado, um mergulho além da certificação.
Do outro lado da balança vemos, destruindo o fiel, doença descompressiva, embolia, desaparecimentos e morte, motivos mais que óbvios para que regras básicas de segurança fossem respeitadas.
Quando Sheck escreveu o “blueprint for survival” a pedra filosofal das recomendações de segurança para mergulho em cavernas e que acabou servindo de modelo para quase todo ambiente de teto ele não imaginou, que mesmo tantos anos depois, erros básicos ainda seriam cometidos.
Da próxima vez que você for mergulhar, seja a convite de um cubano doido a 50 metros com ar, seja num naufrágio onde há penetração, seja numa caverna ou numa profundidade além do seu equipamento e do seu treinamento, pense se vale a pena, se deixar aquelas pessoas que te rodeiam por um prêmio tão pequeno é um preço aceitável pelo prazer.
Da próxima vez que você for mergulhar, pense em treinamento, pense em equipamento correto para o ambiente onde você mergulha, pense em condicionamento físico, psicológico e mental.
Da próxima vez que você for mergulhar, lembre-se de que não é o nome do curso escrito na sua carteirinha, mas o seu treinamento e a sua habilidade em manejar situações extremas que estarão com você na água, uma carteirinha sem treinamento adequado é apenas um peso a mais para ser carregado. Da próxima vez que você for mergulhar, lembre se de que esse nosso tão amado vício, chamado mergulho, é um prazer e não uma fábrica de tristezas.
Essa é a nossa responsabilidade !


Marcelo "Moorea" Polato

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