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Naufrágio x Cavernas


Num país onde o mergulho evolui a passos largos, é natural que questionamentos, dos mais diversos, apareçam todos os dias, como forma de difusão de conhecimento, de melhoria técnica e de engrandecimento pessoal a nível de informação e cultura.
No vácuo desses questionamentos é natural que apareçam indivíduos, primariamente focados no aspecto comercial e com algum conhecimento de mergulho, buscando a adequação das soluções e respostas as suas propostas profissionais e comerciais.
Resumindo, ratos não são bons juízes em partilha de queijo.
Como a discussão é ampla e infelizmente no Brasil temos poucas pessoas explorando e mergulhando naufrágio em ambiente técnico redigi adiante algumas considerações ligadas ao ambiente que me é familiar.
O texto serve de reflexão pois a medida que novos naufrágios são descobertos, a medida que novos pontos de mergulho são disponibilizados é natural que apareçam novas operadoras mas as questões são :

Qual a segurança ?

Contingências adequadas a operação recreacional serão adequadas a operação técnica ?

E fundamentalmente :

A certificação de caverna é valida em naufrágio ?

Quando começamos o trabalho no G.P.S. (http://www.naufragio.com.br) o objetivo principal era o desenvolvimento de técnicas, equipamentos e procedimentos voltados a necessidades específicas de naufrágio, testar, validar e divulgar esses resultados na forma de treinamento e certificação.
Configurações adequadas ao Asturias, por exemplo, provaram não ser as ideais para o Elihu ou o Campos, um naufrágio próximo a costa apresenta algumas necessidades que navios afastados não apresentam e vice-versa. Outras considerações como profundidade, correnteza, distância da costa, presença de redes e cabos, trafego alteram profundamente o equipamento ideal.
Além disso preferencias pessoais sempre foram consideradas, ninguém no G.P.S. acredita num mergulhador usando um equipamento no qual não acredita ou no qual não se sinta confortável, assim, lembrando de uma frase do Larry Green quer dizia que não existe apenas uma maneira de fazer a coisa certa, procuramos sempre a padronização como forma de aumentar a segurança, mas sem obrigar e sem impor modelos arbitrários
Ao longo dos últimos anos, acumulamos um experiência e um know how que nos mostrou principalmente que ambientes dinâmicos exigem propostas dinâmicas, isso, sem ainda considerar a evolução inercial do mergulho, evoluções no uso de múltiplos gases, cilindros de pressões de trabalho maiores e novos equipamentos que aparecem todos os dias, alguns mostrando-se absolutamente inúteis, outros causando verdadeiras revoluções na maneira de mergulhar.
Reguladores selados para águas com muita suspensão, cabeças de luz HID, canisters resistentes a 300m, asas com material muito mais resistente, protetores de mangueira de tecido de kevlar, deco marks que refletem radar e por ai afora, são detalhes que isoladamente parecem pequenos, mas quando montados num só equipamento, fazem nossa maneira de mergulhar de 5 anos atrás parecer paleozóica.
Mas vamos as comparações entre os ambientes.

As penetrações em naufrágios apresentam alguns complicadores: Instabilidade da estrutura, necessidade de avaliação inicial que envolve algum conhecimento de construção naval, pressão do gás na estrutura, desorientação em função de posicionamento, o silt da ferrugem que é bem rápido, possibilidades de desmoronamento (em função das bolhas e de gás trapeado na estrutura), restrições normalmente bem pequenas e apertadas, pontas cortantes e perfurantes na maior parte da estrutura, onde perfuração de célula e roupa, além de cortes de mangueiras são uma possibilidade real e constante.
Quanto as possibilidades de enrosco, uma z-knife dificilmente desempenhará a contento seu papel numa rede de parelha com fio12 e além disso, a presença de redes em grande quantidade, de cabos de aço e linhas de pesca, normalmente de grande diâmetro (linhas 100 até 300 dos pescadores que procuram garoupas meros e xernes) por si só já aconselham o uso de instrumentos de corte de outro calibre, bem maiores que os normalmente utilizados em caverna.
Não conheço nenhuma caverna, onde existam enroscos na mesma quantidade dos existentes em um navio como o Campos por exemplo, onde há redes dos 56 até os 12 metros de profundidade e creio que qualquer mergulhador enroscado numa rede dessas com uma z-knife estaria em apuros.
Alguns mergulhadores de caverna, acreditam que para adequação do equipamento ao naufrágio, basta a substituição dos cabos da carretilhas mas, além da substituição do cabo, às vezes é necessário utilizar cabos de flutuação diferente, de várias bitolas, parafinados para dar memória ao cabo e evitar cabeleiras, embora essas diferenças não sejam muitas, exigem várias alterações do equipamento. Uma carretilha que comporta 150 metros de cabo apropriado a caverna, comportaria apenas 50 metros de cabo de 2,5 mm, que é o mínimo recomendado numa penetração, na necessidade de montar por exemplo uma "jersey up line" (independente da funcionalidade ou não do método) tal comprimento de cabo seria insuficiente em qualquer naufrágio a mais de 25 metros de profundidade.
Em naufrágio não se usam carretilhas secundárias ou carretilhas de jump, pois você pode perder seu cabo no navio, podendo ser necessário abandoná-lo e numa emergência, uma deco mark dobrada (por exemplo) pode ser a sinalização solicitando imediatamente um mergulhador de apoio no fundo, em caso de enrosco, mandar seu lift bag/deco mark para a superfície com comprimento de cabo inferior a profundidade é o mesmo que nada. Portanto as carretilhas devem suportar no mínimo a profundidade + 20% com cabo de bitola recomendável a penetração.
Outros ainda pregam a suicida opção de abandono dos stages do lado de fora do naufrágio, em naufrágios onde há boa visibilidade, já mapeados, sem risco de enrosco ela sem dúvida é uma opção, mas, em se tratando de exploração o abandono dos stages já custou a vida de muitos mergulhadores (Doria, U-who, etc). Particularmente, eu SEMPRE carrego meu gás comigo, diferentemente do que se utiliza em cavernas, navios tem vários pontos de entrada e consequentemente, vários pontos de saída, portanto ter seus stages a 150 metros de você no fundo não é uma boa idéia em caso de emergência.
Onde há necessidade de abandono dos stages, normalmente se utiliza um tender dando apoio ao explorador ou mergulhador lider e esse tender é o responsável pelo gás, sendo sua responsabilidade também o contato por cabo fazendo a comunicação com o mergulhador lider. Mas esse procedimento é extremo e recomendado apenas em pequenas incursões ou penetrações progressivas.
Quem leu "The last dive" (O ultimo Mergulho) sabe que na maioria das cavernas você sairá por onde entrou, necessariamente encontrando seu gás no retorno, mas nos naufrágios as possibilidades são mais amplas. Além disso alterações em maré e corrente podem tornar o retorno ao ponto inicial de mergulho muitas vezes impossível, portanto, ter sempre o gás conosco é uma opção de segurança inquestionável.

Quando o assunto é penetração, desde a discussão de posicionamento, dos defensores de upside-up e/ou upside-down ou quando e onde empregar esse posicionamentos, até nadadeiras e técnicas de sinalização por cabo, o universo é vasto, a melhor opção depende de uma quantidade de variáveis muito grande, de experiência e capacidade de interpretação, avaliação e julgamento do mergulhador, portanto não acho possível resumir essa monstruosidade de opções em alguma ou mesmo algumas técnicas perfeitas, como sempre digo, ambientes dinâmicos exigem soluções dinâmicas, a possibilidade de problemas e falhas e tão grande que somente experiência e julgamento rápido podem apontar a melhor opção.
Redes e demais possibilidades de enrosco também são ambiente e tempo-dependentes, as redes que podem estar a 20 metros de distância, flutuando ao sabor da corrente, numa alteração de maré podem vir de encontro ao mergulhador (já vimos isso ocorrer), numa visibilidade de 1 ou 2 metros isso pode acontecer de forma muito rápida (para o mergulhador) e quando o mergulhador fizer contato visual com as redes elas já podem estar sobre ele, pior ainda, no retorno ao ponto de saída, o local que inicialmente estava "limpo" pode não estar mais. Essas são variáveis que também merecem ser consideradas quando do planejamento de penetração e que não são ensinadas em curso de caverna.
Alguns outros mergulhadores, numa visão infantil, comparam o mergulho em naufrágios afastados a um mergulho em parcel, a mim, soa assombrosa uma visão tão simplista, que se não fosse perigosa, seria até engraçada .
Normalmente os parceis não se movem, não há grandes insurgências e ressugências em parceis, parceis não desmoronam por ação das correntes, ou por pressão do gás no seu interior. Quem mergulhou no Cavo um ano atrás e mergulhou de novo agora sabe o que isso significa.
Os parceis normalmente não tem grandes passagens que servem de abrigo a xernes e meros e que podem representar problemas dentro de um corredor ou quando entalado em uma restrição. Os parceis não alteram o fluxo de água de maneira a fazer grandes volumes convergirem numa determinada direção, possibilitando uma insurgência capaz de "aspirar" um mergulhador para seu interior, mas em grandes navios essa possibilidade existe.
Os parceis não mudam seu comportamento em função de alteração nas marés e/ou correntes marinhas, mas nos naufrágios isso pode acontecer bem rápido, transformando numa simples mudança de maré um mergulho relaxante em um pesadelo de drift dive.
Normalmente, na maioria dos parcéis não há trânsito de grandes navios, que podem transformar o "seu" barco num novo naufrágio, mas em naufrágios afastados, como por exemplo, no Campos, existe essa possibilidade.
As cavernas apresentam ainda algumas “facilidades”, elas não tem complicadores para fundeio, não tem alterações de corrente, um mako de 2 metros, focinho dobrado, peitorais apontadas para baixo, rodeando você com cara de faminto e fazendo você se sentir um bigmac, não obriga a revisão urgente de seu planejamento de descompressão lá no 12 metros se você estiver numa caverna, você não leva equipamento de sinalização para descompressão à deriva, obrigando o pessoal de superfície a se preocupar em mapear direção e intensidade de corrente para um eventual resgate de mergulhador a deriva.
Não são necessárias embarcações de apoio, você nunca irá abortar a operação por mudanças climáticas, mesmo com mergulhadores no fundo, o ferro não corre, Você não chega à superfície numa caverna e encontra condições radicalmente diferentes das que tinha quando entrou na água, As condições de entrada, saída e descompressão na água não mudarão muito em função do tempo em uma caverna, mas no mar esta mudança pode ser rápida.
O tempo de retorno e/ou tempo de remoção até pontos previamente mapeados num plano de emergência, dificilmente se alteram numa caverna, mas no mar, a navegação de algumas poucas milhas pode demorar de alguns minutos até horas, ou mesmo ser impedida, em caso de mudança no tempo e/ou no mar, aumentando o número de variáveis no planejamento de emergências.
Uma tempestade de verão, no mar, pode levantar vagas enormes e impedir totalmente a navegação, enquanto numa caverna, após o mergulho uma tempestade de verão pode ser bem refrescante.
Então, em função de tudo isso, eu acho que o Technical Wreck, é um curso que exige muito treinamento e comprometimento, equipamento dedicado, diferenciando do equipamento de caverna.
Quero deixar claro que não menosprezo o treinamento de caverna, ao contrário, acredito que ambientes específicos requerem treinamentos específicos, sei que cavernas apresentam uma série de outros complicadores, uma série de outros riscos e que assim como qualquer ambiente de teto, seja ele virtual ou físico, somente com treinamento e equipamento adequado aliados a experiência poderemos minimizar esses riscos
Me lembro do J.J. (Jarrod Jablonski da GUE) por aqui uns 2 anos atrás, durante sua excelente palestra, quem esteve lá lembra disso, disse que o planejamento de uma operação no Britanic era muito complexo, principalmente em função das dificuldade logisticas e operacionais impostas pelo mar e acreditava que em função dessas complicações os mergulhos em naufrágios exigiam muito mais preparação e elaboração.
Em função disso tudo e em função do tempo que o (G.P.S.) acumulou na água explorando naufrágios em condições ruins e em ambiente técnico, acho que estamos habilitados a falar sobre o assunto com propriedade, pois não aprendemos apenas lendo e acreditando, mas aprendemos vendo acontecer e fazendo, modificando não por suposição ou imposição, mas por necessidade e evolução.
Desde o momento que comecei o grupo, o objetivo era absorver o máximo de experiência neste ambiente de mergulho, aplica-la e difundi-la.
Creio que o tempo provou meu ponto de vista quanto ao mergulho técnico em naufrágios e por isso, acredito que deve haver certificação e treinamento específicos para diminuir os riscos, pois assim como ninguém é insano a ponto de se arriscar no interior de uma caverna sem treinamento/equipamento/experiência necessários à manutenção da segurança, creio que ninguém deve ser insano à ponto de fazê-lo em um naufrágio.
A

Marcelo "Moorea" Polato

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