Navios trocados
Final de mergulho e as perguntas permaneciam. O que fazia a arma ali ???
Teriam armado o Campos durante a guerra ??
Novos mergulhos iam acontecendo com a descoberta do casario e com eles novas questões iam se juntando a quase já esquecida arma, caída no lodo quase 10 metros abaixo, a medida de boca excedia em quase dois metros a do Campos !!
A configuração do casario não batia com a única foto do Campos que tinhamos, a quantidade de privadas e pias no segundo nível, indicava a presença de cabines, que em um navio cargueiro não deveriam estar ali, o casario era curto demais.....
Robertão foi o primeiro a encontrar porcelana, chinesa como deve ser nos bons mergulhos, mas de um importador californiano que nunca forneceu nada ao Lloyd brasileiro, proprietário do navio quando ele foi torpedeado.
O casco soldado na época da construção do Campos ainda era um sonho futurista, mas uma característica comum dos Liberty Ships.
Começamos a achar material elétrico, tanto leve como pesado, todo ele americano, não fazia sentido num navio construido na Alemanha...mas faltava a/ peça decisiva. Iam se juntando aos indícios outros mais, sempre apontando na direção de um liberty ship, vidros de molho e de temperos, americanos, registros e válvulas, americanos, um espremedor de laranja de pyrex encontrado, (Sunbeam) também americano, uma moeda de um penny australiano era
a ovelha negra num conjunto de peças americanas.
Em 06/07/2002 tres dias após o 59 aniversário do Elihu no Fundo, zarpamos de Ilhabela para mais um mergulho, Eu, Lúcio “Pardal” Engler (Scubatec) e Régis Ianarelli (NAUI Tec) iríamos para o fundo o Celo seria nosso safety, as condições de mar prometiam, uma calmaria entre duas frentes frias nós dava a janela de alta pressão necessária para manter o mar calmo por um ou dois dias.
Fundeamos com correnteza forte, mas ansiosos e apostando na visibilidade caímos na água otimistas, no fundo, a visibilidade decepcionou, onde esperávamos 2 ou 3 metros de visibilidade, considerada muito boa para esse navio, nos melhores momentos tinhamos algo em torno de 1 metros, fechando algumas vezes para 0,5 metro e menos.
Planejávamos varrer um pedaço do convés, como diz o Lúcio, garimpando, a procura de sinais e evidencias que pudessem levar a uma identificação positiva.
Num determinado momento Lúcio sinaliza forte no cabo me chamando, Régis e eu seguimos até ele, 2 ou 3 metros ao nosso lado e vimos em suas mãos o que inicialmente pareceu ser um cartucho de calibre .50, peneirando a área ao redor encontramos outros mais, eles podiam ser a peça chave mas nenhuma das inscrições era visível no fundo, foram para um saco de coleta algumas das peças que pareciam estar em melhor estado, quando olhamos nos timers vimos que já era hora de subir, 29 minutos haviam se passado no fundo.
Seguimos para a deco nos nossos procedimentos normais, a correnteza ficando bem mais forte no raso, fazia os mergulhadores no cabo parecerem bandeiras, na superfície, nosso marinheiro Daniel, vigiando o horizonte, na eventualidade de algum navio aparecer em rota de colisão, ele nos rebocaria para longe do perigo.
A bordo examinamos com mais calma alguns cartuchos e a marca 20mm MK2 era visível em dois deles, além disso uma inscrição que parecia NOEN indicaria, caso fosse confirmada, munição de uso nos navios da marinha americana.
Já em São Paulo, nossas suspeitas se confirmaram, trata-se de cartucho de uma peça de 20mm fabricado em 1942, modelo MK2 que era uma munição de uso geral, a mais utilizada em armas anti-aéreas na segunda guerra até o surgimento dos kamikases, onde ela se revelou pouco eficiente. NOEN era o Naval Ordnance Engineering Laboratory, que desenvolveu e fabricou munição para a marinha americana de 1940 a 1950.
Acreditamos assim ter virado mais uma página na estória dos naufrágios de São Paulo, não temos como positiva a identificação do Elihu B. Washburn em 23 59 S 045 27 W, mas sabemos que ali repousa um Liberty Ship.
Falta agora saber quem é quem já que o navio em 24 20 S 045 34 W foi incialmente identificado como Elihu, eu, torço para que realmente sejam dois, deixando assim o Campos na classe dos ainda não encontrados.
Marcelo "Moorea" Polato (07/2002)
O texto acima é de 2002 e retrata suspeitas minhas que vinham desde 2000, tres anos se passaram, e ainda não há identificação positiva de nenhum dos nossos dois grandes navios misteriosos, outros navios repousam no fundo, durante esses anos, tivemos a oportunidade de encontrar mais alguns, fazendo aquilo que mais gostamos, explorar naufrágios
08/2002
Vimos felizes o surgimento de novos grupos de pesquisa, infelizmente a maioria pesquisando só na rede mesmo, alguns poucos, se lançando timidamente ao mar, mas correspondendo as nossas expectativas, para que o mergulho em naufrágios no Brasil cresce e evolua
Mudamos equipamentos, evoluimos procedimentos, descobrimos quem eram as pessoas amigas e quem eram as interessadas apenas em roubar marcas de GPS, aumentamos bastante, mas diminuímos quando muitos viram que a emoção de levantar suspensão intocada por dezenas de anos no fundo era reservada aos mais persistentes apenas
Encontramos orcas e baleias, pinguins cruzaram nossa proa com nos saudando por tentar levantar um minusculo pedaço do manto negro que esconde os mistérios do mar, Netuno nos reservou surpresas, muitas agradáveis, algumas poucas tristes, mas nos olhos da baleia que mergulhou conosco durante a descoberta do novo navio da Queimada, pude ler que ainda há mais mistérios, muitos mais, esperando quem quer que se proponha a ir até lá desvenda-los.
Me alegra hoje ver que todas as novas descobertas e fatos ao longo desses tres ultimos anos apontam para confirmar minhas suspeitas, minha vontade de mergulhar procurando navios, mais longe, mais fundo, por mais tempo, a cada dia é maior.
Marcelo "Moorea" Polato