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Técnicas antigas


Era um Sábado de sol e o scooter novo havia chegado para o run-test, acordo entre a Scubapro e o G.P.S. todos os equipamentos novos nos são enviados para avaliação, as vezes me questiono se seria competência, ou amizade e a vizinhança com o distribuidor, companheiro de churrasco e de praia nos extenuantes finais de semana que somos obrigados a passar na Ilhabela.
Considerações a parte, enfiar o dedo no acelarador do novo scooter seria bem interessante, um design novo fazia o meu Apollo parecer um Ford 29, mas ainda era cedo para avaliar a performance.
Optamos por leva-lo a Ilha das Cabras para um test-dive inicial, queria saber o burn-time total da bateria antes de leva-lo para mergulhos mais profundos, uma dupla de 15 forneceria o suprimento de ar necessário e o planejamento era dar inúmeras, ou tantas quantas fossem possíveis, voltas pela ilha das Cabras.
Carregamos a pick up e por volta das 10:00 hs estávamos estacionados descarregando o equipamento, entraríamos em dois na água e um mergulhador de “apoio” (se é que alguém precisa de apoio na Ilha das Cabras) me seguiria usando um outro scooter. (afinal tudo é pretexto para mergulhar).
Nesse momento, muitos olhos se viravam para aquele brinquedinho parado ali na rampa, sonho de consumo de quase todo mergulhador, principalmente daqueles que gostam da filosofia “relax & enjoy” é sempre muito mais gostoso ser rebocado e não ter que pedalar, o scooter é a solução.
Equipados decidimos fazer a travessia pelo fundo, de lá seguiríamos até a estátua de Netuno de onde partiríamos na primeira volta, que seria cronometrada para aferição de velocidade.
No momento em que fazíamos nosso safety drill, uma checagem de segurança onde cada mergulhador observa o equipamento do outro, procurando por vazamentos e verificando se está tudo ok, observei um grupo, de quatro mergulhadores que se preparavam ao nosso lado, ao comando do lider do grupo, todos levantaram suas traqueias e começaram a esvaziar seus coletes.
Nesse exato instante eu olhei para o scooter e percebi o quão incongruente o mergulho pode ser.
Estávamos nós ali, para testar o ultimo lançamento de indústria do mergulho e eu via, hábitos tão antigos quanto a minha primeira certificação e que ainda são ensinados nos dias de hoje, serem postos em prática como a única opção.
Pode parecer estranho, pois realmente é habitual, mas, para um eterno questionador de formas e procedimentos como eu, o que poderia ter passado de forma totalmente despercebida, provalemente em função do scooter e do que ele ali representava como evolução, tornou-se um choque.
Lembrei do meu colete Fenzy 70, onde só havia uma válvula, lembrei de quantas vezes ensinei alunos e até mesmo candidatos a instrutor a esvaziar o colete dessa forma.
Acho que não foram muitos os mergulhadores que usaram Fenzys, até porque ele era um colete bem temperamental, ainda possuia o cilindro de CO2 para inflagem de emergência e volta e meia disparava no fundo, já tinha a mangueira com o power e o inflador oral, a grande diferença, é que na junção de mangueira corrugada (traquéia) com a célula havia apenas um joelhoe não uma válvula de exaustão com em quase todo colete moderno (pra falar a verdade, todos que eu conheço)., assim, a única maneira de esvaziar o Fenzy, até porque na válvula traseira de alívio de sobre pressão não havia nenhum acionador manual, era levantando a traquéia e apertando o inflador oral.
Fomos para o fundo, pois o objetivo não era questionar os porques da inflagem e desinflagem de coletes, mas no meu passeio ao redor da ilha, eu continuava tentando entender, sem prestar atenção ao fundo, como realmente somos desatentos as coisas e técnicas novas e como muitas vezes, parafraseando Elis, somos como nosso pais.
Pensei em quantos mergulhadores eu ensinei, que na verdade, o que eles precisavam não era de mais lastro e sim esvaziar totalmente o colete, na maior parte das vezes graças aquele velcro que fixa a mangueira do inflador na metade da sua extensão, e contribui para que se forme um sifão, impedindo o ar no interior do colete de sair totalmente, além disso, para uma desinflagem total, o mergulhador precisa erguer totalmente a mangueira, permanencendo por alguns instantes numa posição absolutamente não hidrodinâmica.
Lembrei que qualquer traquéia, puxada pela válvula da sua extremidade inferior, aciona uma outra válvula, através de um cabo de aço ou nylon, montada na junção da mangueira com a célula, proporcionando uma desinflagem total, visto esta segunda válvula estar montada no pólo superior da célula, posição 100% hidrodinàmica, sem alteração de arrasto e com uma entrada de água no colete muito menor.
Observando ainda alguns modelos de colete que eu ultrapassava no meu home-run ao redor da ilha, muitos mergulhadores deviam me achar louco já que eu ia de encontro a eles para observar detalhes dos coletes, vi que a maior parte dos modelos mais sofisticados (e com certeza os mais caros) possui ainda uma segunda válvula, acionada por um cabo, montada sobre o ombro direito do mergulhador, assim, se você não quiser puxar a traquéia, é só puxar a tal cordinha e a válvula se abrirá imediatamente numa posição que permitirá esvaziar totalmente o colete sem aumentar o seu arrasto.
Resolvi perseguir alguns outros mergulhadores, agora todos eles com certeza achando tratar-se de algum louco sub, para observar as válvulas de alívio de sobre pressão, montadas na parte traseira dos coletes, nova surpresa, sem exceções, na minha pequena amostragem, todas possuiam uma cordinha com uma bolinha na ponta, para permitir acionamento manual, concluí serem perfeitas para a desinflagem do colete quando mergulhador estiver na posição horizontal, simplesmente caminhando o braço direito, todo esticado, para a parte inferior do cilindro e logo ali do lado encontrando a válvula.
Novamente arrasto hidro dinâmico sem alteração nenhuma e possibilidade de esvaziamento total da célula.
Completamos a primeira volta e eu fiquei decepcionado com o Apollo, que chegou quase 40 segundos depois do Scubapro, pensei que meu velhinho já estava na hora de se aposentar mas olhando o hélice, vi que estava na posição intermediária, fui conferir o Scubapro e vi que por simplicidade, o ajuste de passo de hélice foi abolido, anotamos os tempos e partimos para mais uma volta, dessa vez eu usava meu velho Apollo no passo mais longo.
Finda a brincadeira e como ninguém é de ferro, tomávamos uma cerveja na praia, já que ninguém mais mergulharia naquele dia e discutíamos os resultados do teste, a medida que alguns amigos mergulhadores se juntavam ao grupo resolvi propor como tema de discussão o grau evolutivo do mergulho hoje, o que eles achavam das técnicas atuais, o nível de atenção aos procedimentos e no momento em que todos concordavam com a total aplicação de técnicas e procedimentos modernos, partindo para planejamento de descompressão e uso de multiplos gases interferi novamente, pedindo para que eles se voltassem a coisas mais simples e pensassem que mesmo nos achando modernos, podemos fazer, e pior ainda ensinar, procedimentos que hoje não seriam mais aplicáveis, ou para os quais há opções muito mais racionais e modernas, e mencionei o simples e repetitivo ato de inflar e esvaziar o colete.
Alguns demoraram um pouco mais a entender, pois na maior parta das vezes nos voltamos a coisa complexas e esquecemos de coisa simples, acreditamos estar fazendo tudo da forma certa, moderna, evoluida, mas continuamos ensinando nosso alunos a esvaziar o colete como fazíamos 18 anos atrás.
Serve para reflexão, principalmente para aqueles que acham que sabem tudo e decidem deixar de questionar, eu sempre acreditei não conhecer todas as perguntas, e me emdrontam as pessoas que acham saber todas as respostas.
Rui Barbosa escreveu um dia, “Para não arrefecerdes, presumirdes que podeis vir a tudo saber, mas se fores realmente sábio, vereis, que por mui que souberdes, mui pouco tereis chegado a saber”, não sei se ele mergulhou de Fenzy, mas o poema é perfeitamente aplicável e nos remete ao questionamento não só no mergulho, mas da forma como fazemos muitas coisa no nosso dia-a-dia.

Marcelo "Moorea" Polato

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